quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Paraqueda

Sempre fui uma aluna muito dedicada durante toda a minha infância e adolescência. Cresci numa época em que o país era governado por militares e para completar meu pai também era militar. A escola que eu estudava era dentro de uma vila militar e quase todos os meus professores, se não eram militares, eram filhos ou irmãos ou qualquer outra coisa de militar. Eu sinceramente não sabia como era o mundo fora da Marinha. Em 1985, estava eu no auge da minha adolescência e tudo no país mudava. Eu não entendia nada. Pra mim era super "normal" ter aulas de Educação Moral e Cívica, hasteamento da Bandeira todas as manhãs na escola, decorar todos os hinos, inclusive o Cisne Branco da Marinha rs. Bom, eu cresci assim e não morri por causa disso. Estudei a vida inteira em escola particular e com muita disciplina. E não foi diferente quando eu comecei a lecionar. A escola particular era um ambiente que eu já conhecia. A única diferença era que agora, por volta de 1990, tínhamos liberdade para mudarmos muitas coisas no ensino. O ensino modificara, o aluno agora poderia abrir a boca, falar, dar sua própria opinião, construir, aprender a aprender. E eu aprendi a ser professora junto com essa mudança na educação, ou seja, eu "nasci" construtivista. Foram horas e horas de estudos nas escolas. Eu era somente a tia de inglês, mas sentava com as minhas colegas e estudavamos horas a fio... Eu achava um barato não precisar seguir o modelo de vários professores de inglês que tive na escola, não tenho nada contra eles, aliás os considero muito, pois através deles pude decidir o tipo de teacher que eu não gostaria de ser. Não queria ensinar o verbo be só por ensinar e sem nenhuma função. Gostaria que eles soubessem em que situações usá-lo, que o praticassem e não somente passassem as frases de afirmativas para interrogativas e negativas. Que coisa mais chata! E me fiz teacher assim. As aulas eram cheias de graça... Eram papéis pra tudo quanto é lado, eram alunos andando pra lá e pra cá fazendo perguntinhas para os colegas, era uma loucura muito maravilhosa ver aquelas crianças todas falando inglês pra lá e pra cá. Eu me sentia realizada. E durante muitos anos eu estive assim, entre escolas particulares e cursos de idiomas, inventando moda. Até que na faculdade, algumas amigas comentavam sobre o concurso para lecionar em escolas públicas e me perguntaram se eu não ia fazê-lo. E eu, como sempre, com respostas na ponta da língua, disse: NEM PENSAR! Mas elas encheram a minha paciência e falavam que era uma segurança bla bla bla bla bla bla bla bla e eu resolvi fazer minha inscrição. Fiz a prova por fazer e passei rs. A primeira vez que tinha estado em uma escola pública foi para fazer estágio. "Nossa!!!" "Que coisa horrorosa!" "Eu nunca que vou dar aulas numa escola dessas!" - Eu pensei. Mas, como diz o velho ditado: "Não cospe pra cima porque cai na testa". Dois anos depois, estava eu de paraquedas na escola pública. No primeiro dia do planejamento fui recebida com muito carinho e fiz grandes amizades por lá. Mas já naquele primeiro momento eu ouvia: "Olha, aqui é diferente", "Ah! É só saber lidar com eles", "Ih! Não tenta fazer o que costuma fazer não porque aqui não dá certo"... Seguimos o nosso planejamento e preparei uma atividade super, hiper, mega, blaster legal. E eu achando que ia modificar o mundo rsrsrs. E no primeiro dia de aula, lá estava eu com uma turma de 6ª série com mais ou menos 45 alunos. Uma loucura! E eu ainda tentei fazer o que eu havia planejado, mas infelizmente não deu certo. Eles não estavam acostumados a esse tipo de aula. Eles só queriam mesmo era copiar. E minha experiência durante todo o ano letivo nessa escola não foi diferente. Cada dia eu tinha uma surpresa diferente. Foram muitos apagadores jogados pela janela, pedacinhos de papel nos meus cabelos, guerras de maçã na lousa. Tudo, tudo, tudo dava errado. Confesso que por muitas vezes tive ódio daquelas crianças. Pedia perdão a mim mesma por todas as vezes que não conseguia sentir amor por elas. Percebi que não era mais professora naquela escola. Era qualquer outra coisa, ou qualquer caca de coisa, menos professora. Comecei a observar aqueles alunos. Eles eram sujos, mal vestidos. No frio usavam sandálias e não tinham agasalhos. Eles eram muito pobres. E eu que achava que a pobreza existia somente nas novelas da televisão... Eu estava ali frente a frente com ela. Aquelas crianças eram revoltadas. Algo acontecia com eles e eu não sabia o que era. Comecei a observá-las com mais detalhes e questioná-las mais sobre suas vidas. Muitos delas tinham pai ou mãe presos, irmãos mortos, doentes, etc etc. A partir desse momento eu agradecia a Deus por tudo que eu tinha, por tudo que eu era, pelo estudo que tive oportunidade de ter, pela minha vida. Foi um ano muito difícil. Eu não vou esquecer nunca aqueles rostinhos tristes, aqueles corpinhos sujos, aqueles olhinhos carentes. Eu não aguentei e pedi remoção daquela escola, mas ainda tenho amigos por lá e os admiro muito porque perseveram. Eu tive um ano de muito aprendizado, mais pessoal do que profissional. Só no final do ano que consigo enxergar os propósitos de tudo que acontece na minha vida. O ano de 2006 foi realmente um ano muito difícil mas também o ano do nascimento de uma nova professora. As dores da nossa profissão são muito grandes, porém são com elas que aprendemos a ser um pouquinho melhor.

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